Centro de Documentación da AELG
O livro das confusons - 2 [Texto íntegro]
Lugris, Igor

Compreendim tarde de mais

que nom era que tu nom fosses vir

Era que eu

nom ia estar

 


 

...

“Como dizias que te chamavas?” dixo-me

“Ainda nom dixem o meu nome” respondim-lhe

“E eu ainda nom cho perguntei” respostou-me

 

...

 


 

“Isto é um labirinto de água

e umha prova de que ainda nom todo está perdido”

E pegava num funil

e vertia dentro umha garrafa de litro e meio

de água mineral sem gás

O conteúdo de umha garrafa de litro e meio

de água mineral sem gás

 


 

Lá sentado

em cima do mundo

como tantos anos antes ou tantos anos depois

-como sempre-

entendim que finalmente

o que nos afastava e nos unia

era a mesma matéria

Exactamente

o mesmo conjunto de átomos que

artesanalmente alinhados

fazia possível toda aquela potência

que nos rodeia

e toda aquela energia

que nos distancia

 


 

“Sim”

respondim

antes de che ouvir a pergunta

“Sim” “Sim” “Sim”

dixem umha e mil vezes

desejoso como estava de que

por umha vez

por umha triste e maldita vez

aquela pergunta fosse dirigida a mim

Tu ainda nom chegaras

e eu já andava a dizer que sim

 


 

O que há que fazer é escrever

escuitei

E cheguei a casa e copiei mil vezes no meu caderno

“Nunca mais farei burla dos patriarcas”

 


 

Agora que conheces os adjectivos da dor

di-me que substantivo empregarás

para definir o silêncio de umha explosom

 

Agora que conheces as regras da subordinaçom

e manejas com soltura a retórica

explica-nos que temos que fazer com a verdade

 

Agora que caducárom todas as metáforas

e estám proibidas as metonímias e as elipses

convencede-nos de que a terra é plana e o sol gira sobre ela

 


 

“Pode olhar? É que penso que me entrou qualquer cousa no olho”

Aquela moça

no meio da rua

a abrir com os seus dedos o olho esquerdo até limites desconhecidos

parecia um filme surrealista

Olhei

Decerto entrara-lhe qualquer cousa no olho

Via-se perfeitamente

“Pode tirar-mo”

perguntou ela com toda a amabilidade possível numha situaçom assim

“Nom sei”

dixem

“É muito grande”

“E o que é”

preocupou-se ela

“Toda umha vida”

dixem-lhe

Umha vida

Um mundo

Praticamente um universo inteiro

era o que tinha dentro

Via-se claramente

Expliquei-lhe que eu nom lhe podia tirar tudo aquilo

que era umha mágoa perder tanta maravilha

e que tinha uns olhos preciosos

Mas que o que sim podia fazer

se ela queria

era tirar umha pequena pestana

oculta num recanto daquele universo

 


 

Ao cantor dos Prisioners

condenárom-no com catorze anos

a permanecer noventa e nove anos na cadeia

no cárcere

privado da liberdade

Entre os muros da prisom

formou um grupo musical

vocálico

e gravou vários números um

Na cadeia

A música era umha evasom

e a voz o seu único recurso

a sua única arma

a ferramenta com que golpear

silenciosamente

aquelas paredes

Isto foi há muitos anos

cinqüenta ou sessenta anos antes

da vitória eleitoral do assassino G. W. Bush

cinqüenta ou sessenta anos antes

da derrota eleitoral do sucessor do assassino J. M. Aznar

que nunca serám condenados a noventa e nove anos de cadeia

de cárcere

de privaçom da liberdade

 

Nom som as vidas as que se cruzam

som as memórias

Hoje os cantores dos Prisioners

nom podem nem estudar música

na prisom

 


 

Também quigem ser um viageiro

aventureiro

tal vez guerrilheiro

e por isso um dia decidim

marchar à serra

À Serra

de Outes

que eu era um principiante

e nom era questom de começar lançando-se à Sierra Maestra

À Serra de Outes

dixem-lhe ao condutor do autocarro

Tam arriscado fum que aguardei o autocarro na estrada de Nóia

e nom na estaçom dos autocarros

 


 

Eu também quereria ser luz

quereria ser metal no fundo do mar

eu também

Ser esse pequeno ruído que nos acorda

essa insignificante onda acústica

que nos fai volver a cabeça

ou aquel momento exacto

onde escolhemos

onde dizemos

onde fazemos aquilo que sabemos

Eu também quereria ser luz

Como essa luz que te ilumina

essa luz que caminha contigo

que tu deixas caminhar contigo

ou que tu nem tam sequer sabes que caminha contigo

Ser esse metal que do fundo do mar

nos fai pensar

ou nos fai sonhar

ou nos fai viajar

ou te ilumina quando apareces andando no extremo de umha rua

ou no recanto de umha praça

 

E nom esta distáncia

esta terrível sensaçom de estar fora

de nom ser

de nunca jamais fazer parte

Esta obscura negaçom da possibilidade

que se estende vertiginosamente

oferecendo só o caminho da fugida e a derrota

 


 

Nom sabia estar desperto

por isso preferia gastar o tempo a sonhar

e imaginar sempre que dormia

 


 

A vida é aquela foto tua

que eu nunca tivem

e deixar-se levar polas ruas

sem ir nem vir

 


 

Umha das vezes

a voz saiu da torradeira do pam

Já sabedes

esse aparelho que torra o pam

com umhas resistências eléctricas

 

Ele

como todas as manhás

ia almoçar

e meteu as fatias de pam na torradeira

e carregou no botom

Nesse momento

a torradeira começou a falar

“Nego-me a acreditar nos venenos. Desde a conquista espanhola o meu povo ri idiotamente por umha grande ferida. Quase sempre é de noite...”

Ele gostava do pam no seu ponto justo

No que ele considerava o seu ponto justo

3 minutos

Aos 3 minutos as fatias de pam saltárom

e a torradeira deixou de falar

 

Ficara os três minutos absorto

a escuitar a torradeira

Sem pensar

pegou em duas novas fatias e meteu-nas na torradeira

Carregou no botom

Novamente falava

“O viageiro encaminha-se através da espiral embora nom

lembra quando e onde penetrou.

Supom que o caminho tem forma de espiral...”

Novamente aos 3 minutos saiu o pam quente

torradinho

tal e como ele gosta

Instintivamente

deu-lhe à rodinha até os 6 minutos

“O pam sairá mais torrado”

pensa

“mas a voz nom parará tam rápido”

Mete as fatias

desejoso de ouvir novamente aquela voz

espectacularmente preciosa

que lhe fala

a ele

Carrega no botom

 

Passam as horas

A escuitar a voz

e a pensar na sorte de ter mercado

ontem mesmo

dous pacotes de pam de forma

 


 

Estava no fundo do rio

e olhava para acima

na procura de um sinal

qualquer

mesmo singelo

que lhe explicasse

que lhe desse sentido

àquela eterna espera

líquida espera

Estava no fundo do rio

pensava ser um peixe

mas os peixes nom

aguardavam

sinal

nengum

nem procuravam um sentido

para aquela vida

submarina

subacuática

subrealista