César
Morán

Nascim em 1954 em Toural dos Vaos (oficialmente “Toral de los Vados”), uma localidade do Bierzo onde daquela ainda falavam galego os mais dos seus habitantes. Meu pai era ferroviário e nascera, como toda a sua família, em Valtuille de Arriba, entre Cacabelos e Vilafranca. Minha mãe era de Mondonhedo, onde se criara e de onde tivera que saír com a sua família porque o pai (meu avô), secretário do julgado, fora destituído do seu cargo quando a guerra civil. Meus pais conheceram-se em Cambre, perto da Corunha, e no ano 52 casaram e foram para Toural, onde eu vivim a minha primeira infância até os seis anos, os últimos da década de 50. Quando conto que a música entrou em mim antes mesmo que a literatura é porque aos quatro anos cantava todo o que ouvia na rádio, à gente pola rua e à mamá e a avó na casa. Elas cantavam a duo de maravilha e na sua ascendência mindoniense, como a minha, estava o mítico Pascual Veiga, primo do meu bisavô. Aos quatro anos os vizinhos ouviam-me cantar polos lousados e os corredores desde os que se enxergava a serra da Cabrera, sempre com neve no inverno. Aos cinco tivem um pequeno acordeão verde e comecei a tocá-lo até que um dia caim em riba dele e doeu-me o lábio. De Toural e Valtuille provém a minha primeira experiência com a língua galega. Quando minha mãe mindoniense, educada em castelhano, chegou a Valtuille, topou com que alá falava galego o cento por cento.

Em 1960 meu pai ascendeu a chefe de estação e fomos para a província de Ourense, uma moderna, pétrea e confortável estação na nova via férrea, entre montes, a quase mil metros de altura e que levava os nomes de “Castrelo del Valle-Verín-Campobecerros”. Foi outra experiência imersa no rural mais estrito, com outro sotaque linguístico e com outra música. Aos sete anos, nas longas tardes de silêncio, o meu pai ensinou-me a tocar por cifra no primeiro saxofone de plástico, e aos oito aprendim com a harmónica. O mundo era todo trem e natureza. Ao longe estavam os montes do Invernadeiro e antes da noitinha todo era o cantar dos carros e o ruído das máquinas de vapor botando fume. Foi daquela que comecei a cantar a duo com o meu irmão Pablo.

Em 1964, aos dez anos de idade, fum fazer o exame de ingresso para estudar o Bacharelato em Ourense e estivem dous anos interno nos Salesianos, aos que seguiram outros dous externo até a reválida de quarto para obter o Bacharelato Elementar. Muita música litúrgica e coral, cine aos domingos e também muito teatro. A minha timidez motivou que nunca fosse “neno de coro” naqueles quatro anos, mas no último todo mudou. Alguém reparou em mim e comecei a ter grande sucesso no “Festival de la Canción Blanca” que me levou a obter os primeiros prémios em Ourense e Zamora. Era algo importante, porque de repente vias que a gente pousava os olhos em ti.

Porém, naquela etapa adolescente eu sentia-me inadaptado no contorno grupal daquel Ourense,e a necessidade de fugir de uma realidade hostil levou-me ao seminário de Cambados, León, Astudillo na província de Palencia e finalmente Guadalajara. Foi um tempo de estudo e muitas vivências que eu superei graças à música. O curso 71-72 em Guadalajara seria importante e definitivo para mim. Foi um COU experimental e iniciático que ao tempo me havia de revelar o motivo da fugida. A cidade era pequena. Os domingos íamos cantar a missa das Anas, e à saída dávamos uma volta polo gótico isabelino do Palácio do Infantado e voltávamos ao Colégio onde uns colegas de Puertollano me abriram os olhos ao rock, à ilha de Wight, a Donovan e aos Bee Gees. Mas os meus dias em Guadalajara estavam contados. O mundo de fora começava a tirar por mim, comecei a duvidar de todo sem ter certeza de quase nada e algo aconteceu que o precipitou todo. A primavera ia bem entrada e num festival em que cantei deram-me de prémio um disco de Led Zeppelin. Subim as escaleiras até o último andar onde tínhamos uma sala com giradiscos e comecei a escuitar “Babe I’m gonna leave you”, “You shook me”, “Communication breakdown…” e aquilo era algo único: era transgressor e era beleza de altura. Naquel mesmo instante soubem por que me fora de Ourense a toda pressa, escapando do real. Era como a experiência de Saulo ao caír do cavalo, mas em sentido contrário.

A Universidade de Santiago acolheu-me com todo o ambiente convulso do 72. A Faculdade de Filosofia e Letras era um fervedoiro de ideias e movimentos antifranquistas. Lembro as sessões académicas na aula magna com Guillermo Rojo e Felipe Arias Vilas, daquela ainda mui novos, e era o tempo de compor canções e atuar por toda a Galiza onde se podia. A minha música era diferente à de Voces Ceibes, uma geração dez anos anterior, mas foi aí que comecei a ouvir com intensidade os Beatles, Cat Stevens, Joan Manuel Serrat e o génio infantil de Michael Jackson.

No verão do 73 a minha família trasladou-se à Corunha. Deram-me o prémio à melhor canção original no “Festival Liceo La Paz” e estudei filologia, que havia de rematar no 78 em Santiago. Na casa de Ana Malaval, em Rubine 35, escuitei por vez primeira o Aton heart mother de Pink Floyd, naquel andar todo de madeira, absolutamente pasmado sem dar crédito ao que ouvia e ao que sentia. Entretanto, do 74 ao 76 estudávamos de noite na minha casa ou na de Daniel Val. Na dos meus pais, na Ronda de Nelle, entrava e saía quantidade de gente a qualquer hora do dia ou da noite. Estudávamos, ríamos, fumávamos, contávamos “piadas” e ouvíamos muita música. Franco morreu em novembro desse ano, depois foi o Gener 76 de Lluís Llach e no outono desse ano montamos o grupo de jazz-rock Agra, com as influências de Iceberg, Orquestra Mirasol, Companyia Eléctrica Dharma, Triana ou Barcelona Traction. Agra durou quase três anos de grande intensidade, também colaborando com o grupo de teatro Troula no espectáculo O velório de Francisco Taxes.

Em 1980 comecei de professor no que daquela se chamavam Institutos de Bacharelato. Passei aquela década afastado da música e entregado à família, à docência, à literatura e a trabalhos filológicos. Isso durou até os primeiros noventa. Por volta do 93 recomeço os recitais, componho novos temas e música para interactuar com recitados poéticos , e no verão do 96 gravo com Manuel Rivas o CD O pobo da noite que acompanha o livro do mesmo título. Pouco depois gravei o meu primeiro disco persoal, Río de son e vento (Xerais Media, 1998), um projeto laborioso onde as minhas canções originais sobre poemas de Xela Arias, Pilar Pallarés, Miguel Mato, Rosalia, Manuel António ou Lino Braxe, tinham os arranjos do meu irmão Alfonso e a colaboração instrumental de grandes músicos de jazz como Nani García, da música clássica, do folque e polivalentes como Carlos Castro.

Em 2011 aparece o meu livro-disco Haberá primavera ao se cumprirem cem anos do nascimento de Álvaro Cunqueiro, e outra vez colaboram aqui instrumentistas de enorme altura como Luís Soto, Palmira Martínez e Roberto Somoza, ou Gertraud Brilmayer e Traugott Grasser.

Desde 2014 tenho o privilégio de contar com a extraordinária violinista Rebeca Maseda, hoje partilhando o projeto EnClave Poético. Nos dias que correm estou noutros projetos como o do grupo de rock-blues De catro a catro, o duo com Maria Vidal, reactivar o grupo Agra dos 70 e trabalhar com os meus irmãos Pablo, Humberto e Alfonso em novas gravações e concertos. Além disso escrevo artigos, poemas e relatos.